Diogo Guillen, Fernanda Guardado, Renato Dias Gomes e Maurício Moura votaram por redução de 0,25 ponto percentual
Porto Velho, RO - Quatro membros do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central com trajetórias bastante distintas se uniram na última quarta-feira (2) em torno de uma mesma opinião: destoaram da maioria e votaram por uma redução de 0,25 ponto percentual da taxa básica de juros (Selic) na reunião que inaugurou o início do ciclo de cortes.
Economistas com passagens pelo mercado financeiro, ligados ao mundo acadêmico ou ainda com longa carreira dentro da autarquia, os divergentes se mostraram mais conservadores até mesmo que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que deu o voto decisivo para selar a queda de 0,5 ponto percentual em um placar apertado, de 5 a 4.
Os membros mais "hawkish" (duros) do colegiado foram Diogo Guillen (Política Econômica), Fernanda Guardado (Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos), Renato Dias Gomes (Organização do Sistema Financeiro e Resolução) e Maurício Moura (Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta).
Integrantes do Copom reunidos, nesta quarta (2), na sede do BC; na foto, Roberto Campos Neto à frente (à esq.) e, ao fundo, Gabriel Galípolo (3º, à esq.) e Ailton Aquino (último, à direita)Integrantes do Copom reunidos, nesta quarta (2), na sede do BC; na foto, Roberto Campos Neto à frente (à esq.) e, ao fundo, Gabriel Galípolo (3º, à esq.) e Ailton Aquino (último, à direita)
O posicionamento dos três primeiros não gerou surpresas no mercado financeiro. Em pouco mais de um ano no BC, Guillen manifestou um perfil ortodoxo, com pensamento guiado por modelos estatísticos. Ele já era visto como um dos diretores mais "linha-dura" da atual formação do Copom.
Em sua sabatina no Senado Federal, em abril do ano passado, afirmou que a manutenção de uma inflação baixa exige "monitoramento constante e atento", associado a uma "comunicação eficaz".
Em junho deste ano, em evento promovido pelo Bradesco BBI, o diretor do BC disse que seria preciso "confiança" antes de os bancos centrais iniciarem o afrouxamento da política monetária. Em mais de uma ocasião, reiterou que o país passa por uma fase de desinflação mais lenta e mais custosa, que exige perseverança.
Discussões referentes à formação de preços e às expectativas de inflação estão entre os temas que guiaram sua formação acadêmica. Guillen é bacharel e mestre em Economia pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Em 2013, tornou-se PhD pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos.
Durante o doutorado, teve contato, no Banco Central da Bélgica e no Federal Reserve de Minneapolis, nos Estados Unidos, com pesquisadores que são referências na construção de modelos macroeconômicos.
A trajetória profissional do atual diretor de Política Econômica do BC é marcada por experiências no mercado financeiro. Foi economista-chefe do Itaú Asset Management, onde também liderou times de pesquisa macroeconômica, pesquisa quantitativa e ciência de dados. Sua passagem pela instituição durou de 2015 a 2021. Antes, foi economista sênior da Gávea Investimentos.
No BC, Guillen tem mandato até 31 de dezembro de 2025. Ele faz parte da última leva de diretores escolhidos por Campos Neto, com aval do então presidente Jair Bolsonaro (PL).
O chefe do Executivo é responsável pela indicação formal dos nomes, conforme estabelece a lei de autonomia em vigor desde 2021.
Nesse mesmo grupo está Renato Dias Gomes, que também tomou posse no BC em 27 de abril de 2022 e tem mandato fixo até 31 de dezembro de 2025.
Antes de assumir o cargo, era professor da Escola de Economia de Toulouse e diretor de pesquisa do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica, na sigla em francês). Ele tem graduação e mestrado em Economia pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), além de mestrado e PhD em Economia pela Universidade Northwestern, nos Estados Unidos.
Estabilidade, concorrência e eficiência da economia brasileira são os focos de atuação de Gomes como diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução. Como política monetária não é sua principal atribuição, seu posicionamento sobre os juros se sobressaiu apenas em duas ocasiões ao longo de sua passagem pelo BC.
A mais recente ocorreu em junho em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a única que Gomes concedeu a jornalistas até o momento, na qual defendeu que não era preciso ter pressa para reduzir os juros, afirmando que sua posição era de cautela.
Antes, em setembro de 2022, o diretor do BC votou por um ajuste residual de 0,25 ponto percentual na reunião do Copom que sacramentou o fim do ciclo de aperto monetário. Ele teve um dos dois votos divergentes naquele encontro, que marcou a primeira vez em que na gestão de Campos Neto não houve decisão unânime do colegiado.
O outro voto dissonante foi de Fernanda Guardado, que também esteve no grupo mais conservador na decisão da última reunião. O voto por um movimento menos agressivo foi em linha com seu posicionamento no encontro anterior, de junho.
Em entrevista à Folha, em julho, a diretora de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos do BC confirmou que estava no grupo mais cauteloso –e minoritário– quanto à sinalização dos próximos passos.
"A gente está em um ponto que ainda inspira alguma cautela. A divergência foi sobre uma sinalização enfática em relação aos próximos passos. O comunicado é o consenso do grupo. Na ata, a gente deixa claro quais são os debates e as divergências. Havia nuances dentro da própria maioria que achava que deveria ter uma sinalização de que poderia haver uma flexibilização em agosto", afirmou.
"Palavras como ‘parcimônia’ foram inseridas no comunicado e na ata de forma unânime e consensual pelo comitê e elas têm um papel ali", acrescentou.
Guardado tem um pensamento mais próximo ao do mercado financeiro, onde atuou por mais de dez anos. Foi economista-chefe no banco Bocom BBM e na Vinci Partners, e trabalhou como economista sênior no banco Brasil Plural e na Gap Asset Management, onde era sócia. Tem graduação, mestrado e doutorado em Economia pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).
Com mandato até 31 de dezembro deste ano, sua passagem pelo BC pode estar próxima do fim. Apesar da possibilidade de recondução, a tendência é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indique nomes mais alinhados ao seu governo em uma tentativa de flexibilizar mais a política de juros.
Quem também está se aproximando do término do mandato no fim do ano é Maurício Moura, que ocupa o cargo de diretor de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta desde 26 de abril de 2018.
Diferentemente de seus pares, ele é servidor de carreira da autoridade monetária. Entre 2015 e 2017, foi chefe de gabinete do presidente do BC, passando pelas gestões de Alexandre Tombini e de Ilan Goldfajn. Antes de seu cargo atual, ocupou a cadeira de diretor de Administração.
Passou também por diversas posições na área de Fiscalização, tanto na supervisão direta de instituições financeiras, quanto no monitoramento do sistema financeiro nacional.
Seu percurso acadêmico foi guiado pela área de Administração, com graduação pela Unama (Universidade da Amazônia) e mestrado pela FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo).
Em uma das raras declarações sobre política monetária, Moura defendeu que os juros altos têm a função de "arrumar a casa" para que o BC possa depois "continuar construindo". Disse ainda que a Selic iria cair "em algum momento", quando as condições permitissem.
O posicionamento foi dado em junho durante a primeira live semanal do BC, quando afirmou que os juros elevados eram condição necessária para o controle da inflação, a contragosto da própria autoridade monetária.
Mais informações sobre a divisão do Copom devem ser divulgadas nesta terça-feira (8), quando o BC publicará a ata da última reunião.
Há expectativa por parte do mercado financeiro de conhecer detalhes dos motivos que fizeram o grupo liderado por Campos Neto "rachar" no encontro de estreia dos diretores indicados pelo governo Lula.
ENTENDA O COMPORTAMENTO DO BC
O que são os termos "hawkish" e "dovish"?
São jargões usados pelos economistas para qualificar comportamentos distintos adotados pelos bancos centrais. As estratégias são aplicadas em diferentes momentos econômicos: mais dura para frear a inflação ou mais leve para estimular a economia.
O que significa ser "hawkish"?
É uma expressão derivada de "hawk" (falcão, em inglês) e é usada para apontar uma postura mais agressiva e contracionista da autarquia, com tendência a subir juros. No discurso, é utilizada também para descrever um tom mais duro e conservador.
O que significa ser "dovish"?
É um termo que vem de "dove" (pombo, em inglês) e é utilizado para qualificar uma postura mais branda e expansionista da autoridade monetária, com intenção de cortar juros. No discurso, é usado para descrever um tom mais suave e menos agressivo.
Fonte: Folha de São Paulo
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