O defensor público do caso contou que o homem vivia na rua, frequentava o QG para comer e veio para o DF em ônibus que partiu do acampamento
Porto Velho, RO - Um dos presos pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro alegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que morava na rua antes de ser detido e perderá o emprego e a residência nos próximos dias, o que o levará a voltar à situação de rua e o impedirá de continuar a cumprir o monitoramento eletrônico por tornozeleira, já que não terá casa nem para recarregar o equipamento.
O homem é representado pela Defensoria Pública da União (DPU). O defensor público federal responsável pelo caso, José Carvalho do Nascimento Júnior, contou à coluna Grande Angular que o réu é de São Paulo e chegou a Brasília após frequentar o acampamento bolsonarista instalado em frente ao Quartel-General do Exército em SP, para comer.
“Ele tem história marcada por abandono infanto-juvenil e vivência em orfanato. Na vida adulta, como morador de rua, frequentava o Centro de Acolhida em SP. Condição decorrente da ausência ou enfraquecimento de vínculos familiares, da violência, da perda da autoestima, do alcoolismo e uso de drogas”, relatou.
“Por isso, passou a ir no QG do Exército em SP para comer, pois o Centro de Acolhida não tem comida durante o dia, e no QG do Exército em SP tinha comida o dia todo. E veio para Brasília, no ônibus que parou no QG do Exército em SP. Ele não pagou passagem e acabou preso no Plenário do Senado”, disse o defensor público federal.
Hugo Barreto/Metrópoles
O homem foi preso pela Polícia Legislativa dentro do Senado Federal, em 8/1, após a invasão do prédio. Ele ficou detido por 7 meses e recebeu liberdade provisória, com obrigação de usar tornozeleira eletrônica, no dia 7 de agosto.
O réu conseguiu um emprego e moradia em chácara no Riacho Fundo (DF), após receber ajuda de entidades assistenciais. Dessa forma, conseguia cumprir a medida cautelar de monitoramento eletrônico, que verifica se o réu frequenta apenas os locais permitidos pela Justiça.
Na última segunda-feira (16/10), porém, o defensor público federal fez um apelo ao relator do processo no STF, ministro Alexandre de Moraes. Carvalho disse que a pessoa que contratou o réu para morar e trabalhar na chácara localizada na capital federal vai dispensá-lo nos próximos dias. Por isso, o acusado ficará sem moradia no DF, voltando à condição de pessoa em situação de rua.
Pedidos
O defensor pediu ao ministro que retire a tornozeleira eletrônica do réu, sob justificativa de que “a instabilidade social das pessoas que vivem nas ruas não é compatível com a medida de monitoramento eletrônico, no qual não conseguirá sequer recarregar o equipamento”.
Carvalho apontou outra alternativa, caso o primeiro pedido seja negado, que seria a alteração do domicílio do réu para São Paulo, onde vive a mãe dele, com a qual o homem tenta reaproximação.
Segundo o defensor alegou no pedido, é provável que o réu volte a viver nas ruas e ficará fora do zoneamento da área do monitoramento eletrônico antes mesmo da apreciação da solicitação. Dessa forma, pediu que o descumprimento da medida cautelar não gere decretação de uma nova prisão.
Acusação e defesa
A Procuradoria-Geral da República (PGR) acusou o morador de rua de cometer os crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Segundo a PGR, o denunciado, “se unindo à massa, aderiu aos seus dolosos objetivos de auxiliar, provocar e insuflar o tumulto, com intento de tomada do poder e destruição do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal”.
“O denunciado seguiu com o grupo que ingressou na sede do Congresso Nacional, local fechado para o público externo no momento dos fatos, empregando violência e com o objetivo declarado de implantar um governo militar, impedir o exercício dos Poderes Constitucionais e depor o governo legitimamente constituído e que havia tomado posse em 1º de janeiro de 2023”, afirmou a PGR.
A defesa alegou ao STF que, em relação ao acusado, não há nenhuma prova apontada nos autos, como imagens, material genético ou dados extraídos de celular segundo os quais ele, de fato, participou do quebra-quebra.
“Pois bem, porquanto a denúncia descreva toda a destruição praticada e a violência contra autoridades, não há em relação ao acusado em questão a descrição da violência ou grave ameaça que ele teria praticado”, enfatizou a DPU.
Em nota, a PGR informou que ainda não há registro nos sistemas do órgão sobre pedido de manifestação a respeito da mais recente solicitação da DPU.
Outros réus
O defensor público federal disse à coluna que o caso do morador de rua é simbólico, mas atua em outras ações contra pessoas presas pelo 8/1 que apresentam sinais de transtornos mentais e “foram claramente manipuladas com base em um intrincado processo de manipulação coletiva, inclusive com o uso intensivo de persuasão computacional”.
“Por isso, foram levadas a não ter a potencial consciência da ilicitude sobre os crimes dos artigos 359-L [abolição violenta do Estado Democrático de Direito] e 359-M [golpe de estado], ambos do Código Penal”, afirmou.
Para Carvalho, “um dos temas centrais para avaliação da potencial consciência da ilicitude é o aspecto informacional”.
“E, não por acaso, foi justamente esse o ponto mais atingido pelo processo de manipulação, fazendo com que o acusado [morador de rua], assim como muitos outros, não tivessem como compreender o caráter ilícito, e nem de buscar outra informação, pois o próprio ‘Estado’, por assim dizer, de forma massiva, repetia ou ‘curtia em redes sociais’, por meio de agentes públicos, as informações que eram difundidas em redes sociais”, enfatizou.
O defensor público federal disse que o processo contra o morador de rua “é o caso clássico de vítima da exclusão social”. “Apesar disso, ele está sendo processado por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito (e mais), quando, na verdade, é o produto do Estado de Direito que ainda não se fez em Estado Democrático de bem-estar social, e cobra a conta justamente dos mais vulneráveis.”
“Por esses motivos, creio que o presente caso apresenta uma tocante diferença, e em tais situações o Supremo Tribunal Federal não costuma fincar inerte, pelo que imagino um desfecho positivo”, enfatizou.
Fonte: Metropoles
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